quinta-feira, 1 de julho de 2010

A DENTADURA DE DONA MILITANA

A DENTADURA DE DONA MILITANA
21 de junho de 2010 Por Franklin Jorge

Morreu Dona Militana, mulher do povo, analfabeta e tosca, guardiã da memória da raça. Morreu um pedacinho da nossa cultura popular.

Seu grande sonho foi o de substituir os dentes sãos que Deus lhe dera por uma dentadura novinha em folha; prótese, aliás, que lhe custou uma grande angústia e uma inusitada entrevista num vespertino de Natal…

Eu nunca tive paciência para ouvir Dona Militana. Mas gosto de saber que ela existiu e deu de comer a muita gente. Inclusive a alguns sanguessugas que se travestiam de mecenas da cultura e beberam o seu sangue cruamente.

Nascida na zona rural de São Gonçalo, em 19 de março de 1925, Militana começou a vida trabalhando na roça, cortando a terra com a sua enxada e ouvindo o pai cantar durante o serviço, segundo um costume antigo que ainda alcancei no Estevão. Menino, eu me lembro que as mulheres, debaixo das abas largas dos chapéus de palha, cantavam enquanto colhiam os alvissimos e leves capulhos de algodão que iam metendo dentro dos bisacos…

Descoberta pelo pesquisador Deífilo Gurgel, em 1980, sabia decorados mais de 30 romances ibéricos, introduzidos na colônia pelos descobridores portugueses. Um achado precioso que resultaria, anos depois, na gravação de um cd-room produzido pela Fundação Hélio Galvão e o Scriptorium Candinha Bezerra, que lhe prometeu a dentadura postiça, motivo de um dos episódios mais burlescos da nossa parca história cultural…

Em 2005, o presidente Lula a distinguiu com a Comenda do Mérito Cultural. Antes, ganhou uma pensão especial da prefeitura de São Gonçalo. Porém, apesar disto, morreu pobre como nasceu.

A fama, como às vezes se queixava, não lhe trouxe nenhum beneficio. E, como sempre, os atravessadores ganharam mais com a sua arte do que ela própria, Dona Militana, que teve o sonho singelo de trocar a sua dentadura natural por uma postiça.

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