domingo, 25 de julho de 2010

UM COMÉRCIO FLORESCENTE

UM COMÉRCIO FLORESCENTE

Texto do Livro “Vultos, fatos e saudades” de Inácio Cavalcanti, publicado pela Editora Líber – Recife/PE – 1985.


Mercado Público de Ceará-Mirim - julho de 1939 - foto de Julio Senna


“A Praça do Mercado era o centro da cidade e fazia gosto apreciar a movimentação da feira aos sábados, considerada com orgulho a maior do litoral rio-grandense. Exagero, certamente.
Ali estavam todas as lojas, mercearias, sapatarias, alfaiatarias, enfim tudo que o mais exigente comércio da época requeria para a completa satisfação do mais ronhento freguês.
Muito importante no comportamento comercial do Ceará-Mirim era o congraçamento e a lisura com que todos os competidores se haviam, sem invejas e sem hostilidades. De Boaventura de Sá a Simeão Barreto, de Chicó Pereira e Sebastião Araújo, de Raimundo Pacheco a Chico Dantas, de Luis Ferreira a Chico Correia – maiorais da economia do varejo – até o mais humilde bodegueiro, o respeito humano e a ética profissional se constituíam parâmetros intocáveis na vida daquela gente. O sucesso comercial visitou grande número de famílias, muitas das quais legaram aos seus descendentes fortunas garantidoras de uma continuidade progressista e tranqüila.
O Sobrado de Chico Correia, onde ele próprio residia, servia também, em seu pavimento térreo à versátil loja, dividida com seu filho Manuel. No seu corpo auxiliar, excelentes e educados balconistas – os caixeiros na época, notadamente o Epitácio, o Raimundo e o Zé Honório. Loja mista, tecidos, sapatos, presentes, mercadorias importantes e o que mais estivesse em moda encontraríamos em Francisco Correia.
No mesmo bloco da Praça, na outra esquina, o maestro Luis Ferreira explorava a panificação, mestiçada com pequena mercearia. Calmo andar moroso, de mãos para trás, dividia seu tempo entre o comércio na Praça, o sítio, que distava um quilômetro do centro da cidade, e a música, de quem era apaixonado. Conhecia bem sobre piano, violino e bandolim e tinha ouvido apurado para compor ou interpretar sofisticadas orquestrações. Insistia com rigor quanto aos seus filhos no aprendizado do piano, conseguindo fazê-los excepcionais no teclado: eram mágicos os dedos de Luizinha, Conceição e Geraldo.
Memória reduzida que tenho de Pedro Vasconcelos. Em outra esquina da Praça, um verdadeiro império comercial, pela extensão e força econômica.Por muitos anos a sua influência e comentada visão o destacaram. Foi inegavelmente um dos maiores vultos do mundo dos negócios e da política do Ceará-Mirim. E na vida social não foi menos sua participação. Difícil se imaginar algo na cidade que não tivesse o concurso de Pedro Vasconcelos. Inimitável leiloeiro na festa da padroeira. Argúcia invejável na maneira de conduzir a oferenda para um valioso preço.
Sebastião Araújo, aliado aos sobrinhos, também foi grande e acatado comerciante, com estoque correspondente à diversificação e exigência da clientela. Sucedeu, no mesmo ponto, às atividades encerradas por Pedro Vasconcelos. Não se pode deixar de mencionar o Sebastião, como valoroso partícipe do progresso e vida do Ceará-Mirim. Orientou de modo mais racional e fraterno os familiares, com quem dividia suas rendas, encaminhando-os a uma independência normal e pessoal.
Antonio Demerval, o Potengi conhecido, foi o mais destacado dos seus membros, tornando-se depois Tabelião Público e figura de proa nos acontecimentos sociais da cidade. Presidiu o Centro Esportivo e Atlético, com devotado entusiasmo. Foi, na juventude, um dos seus mais evidentes atletas, ao lado do irmão Jurandir.
Saindo de Caraúbas, alto sertão norte-rio-grandense, fixou residência no Ceará-Mirim o Francisco Pereira, Casou-se com Alzira Sá, filha do velho Boaventura. Tornou-se próspero comerciante em outro canto da praça do Mercado, com espaçosa loja, vendendo de tudo, inclusive com departamento e bebidas de grosso e varejo, ramo que explorou por muitos anos. Amável, sorridente, contando sempre uma piada da terra natal, enfatizava a coragem de sua gente, de sangue quente, sem levar para casa desaforo.
O cemércio se envaidecia de ser eminentemente local, embora as Lojas Paulistas, hoje Pernambucanas, se tivessem estendido a várias cidades nordestinas. Uma gratificante gerências dessas lojas no Ceará-Mirim foi a exercida pelo Minervino, integrado que ficou de corpo e alma à terra adotada. Encontrou ali tempo para, além do comércio, dirigir teatro, criar grupo cênico e pessoalmente interpretar peças locais.
A alfaiataria de José Coutinho, vizinho ao armazém do seu Boa, gozava de conceito da melhor da cidade. Seu titular, fino de trato e falar baixinho, sabia conquistar a confiança dos clientes, mostrando figurinos mais recentes, vindos do estrangeiro, numa afirmação de sua atualização com a moda masculina.
Havia também os carrancudos como o Manuel de Moura Barreto, com sua loja ao lado do tio Simeão. Amenizava entretanto sua cara de pouca conversa, o seu auxiliar, o versátil e inteligente Luis Vilela.
Comerciante modesto mas integrado no seu meio foi o Pedrão, nome dado talvez pela sua estatura pouco comum.
Acrísio Marinho, constrói um sobrado e instala na parte térrea uma padaria com rigores de higiene nunca vistos na cidade. Associou-a com paralelo comércio de mercearia, rapidamente alcançando sucesso financeiro.
O tempo correu e muitos dos comerciantes da terra retiraram-se das atividades, uns dobrados pelos anos, outros deixaram o nosso mundo para sempre. Houve ainda os que fracassaram, depois de promissor início. Mudaram as fisionomias, e gente nova tomou conta da cidade. Apareceram os Venâncio, Manuel Luis, Paulo Rocha, Antonio Ramalho. Até um pequeno Supermercado se implantou.
O prédio onde funcionava a padaria de Luis Ferreira cedeu lugar à edificação de um grande armazém com novo proprietário à sua frente, o Hélio Venâncio. Sua viva acuidade nos negócios garantiram-lhe progresso e confiança do povo, que passou a acreditar nos seus propósitos, como bom prestador de serviços.
Outro comerciante da Praça do Mercado bem sucedido nos negócios foi o Paulo Rocha – o Paulo Toió da nossa meninice. Início modestos, alcançou o porto dos seus desejos, ostentando hoje o troféu de um dinâmico homem de empresa.
Também o Jurandir Carvalho iniciou um estabelecimento comercial naquela praça com uma perceptível feição de sucesso. Mantendo por muito tempo,repassando-o a outro comprador finamente.
Se o comércio que circulava o mercado levantava a economia da cidade, não menos importante era o que se movimentava dentro do próprio mercado.Pequenas mercearias, conhecidas como locais lá estavam o dia todo, já iniciando o trabalho ao quebrar da madrugada, quando os pesados e majestosos portões do mercado dava, passagem a sua costumeira freguesia. Somente ao cair da tarde um sonoro sino avisava o final do expediente.
Miscelânea autêntica, pelos mil e um artigos existentes, a venda de Chico Dantas tinha as suas prateleiras abarrotadas de mercadorias variadas, inclusive produtos estrangeiros. De confeito a pinico,vendia tudo. Humor e atenção não faltavam naquela venda. Quando não atendia alguém, conversava com pessoas que por ali passavam para contar ou ouvir as novidades do dia. A localização da venda, no foco da Rua da Aurora, à meia distância dos Cafés de Cleto e Jorge, pertinho do cinema Rialto e no trecho mais movimentado da rua, dava garantia de uma constante freguesia.
Na Rua Grande, afora a atração diária dos trens, uma outra convocada parte da sociedade local ia a um encontro costumeiro, que se tornou tradição: o bate-papo na venda de Raimundo Pacheco. Não era das mais sortidas a sua bodega. Era, entretanto, privilegiada de situação, ventilada, sombreada, convidando a um auto-horário antes da subida à cidade alta. Transferiu depois para um dos seus filhos – o Murilo Pacheco – que a transformou em grande e estocada mercearia, onde ganhou o suficiente para se tornar depois senhor de terras no verde vale.”
O livro apresenta o comércio de Ceará-Mirim nas décadas de 1940 e 1950, no entanto, hoje, ao olharmos o entorno do Mercado, estão lá, os mesmos prédios, modificados, porém, continuam no mesmo espaço. Não ocorreram tantas transformações em nosso comércio. Está um pouco mais evoluído, entretanto, as edificações continuam servindo a população como sempre foi o seu destino.
Assim Ceará-Mirim continua buscando progresso, harmonia e fraternidade, lutando por um mundo melhor para seus filhos, com a esperança de que algum dia possa evoluir, gerando emprego e possibilitando acesso a educação (completa) aos seus filhos, para que eles não se desloquem de sua terra tão querida, em busca de um mundo melhor em outros lugares distantes... Emigrando eles não retornarão!!!

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