quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ADELE DE OLIVEIRA

Natal, domingo, 13 de março de 1983

TRIBUNA DO NORTE Colaboração- 13

TENDÊNCIAS

ADELE DE OLIVEIRA, FEMINISTA QUASE INÉDITA.
Gumercindo Saraiva

Quando em 1974 escrevemos em T.N. uma série de quase cinqüenta crônicas intituladas – CEARÁ-MIRIM – TERRA DE NOSSA INFÂNCIA – recebemos cartas elogiosas de Nilo Pereira, Edgar Barbosa, Rui Pereira, Meira Pires, Oliveira Júnior, Clodomil Cabral de Trindade, Luiz Alves Correia, Franklin Jorge, a maioria, poetas, reconhecendo a pesquisa publicada acerca dos costumes, tradições e crendices, durante o tempo em que residimos naquela cidade, ocasião em que nos deram o título de “Cidadão Cearamirinense”, como fizeram outras cidades, inclusive “Cidadão Natalense”.
Interessados na complementação de biografias de seus ilustres filhos, voltamos várias vezes à Ceará-Mirim, o mais se distanciavam de nós, os informantes, nada sabendo sobre os assuntos palpitantes, isto, com relação aos poetas do vale, esquecidos, e alguns residindo no Rio, São Paulo e Rio G. do Sul. Contudo, atingimos o alvo de nossos desejos conseguindo “um punhado” de poemas da poetisa da terra, que fora nossa professora – Adele de Oliveira – nome consagrado no movimento feminista do Rio G. do Norte, quando em 1928 iniciava-se em Natal os primeiros passos, com a presença da escritora e socióloga Ioga Berta Luztz.

MODÉSTIA DA POETISA PREJUDICOU SUA VIDA

Em 1928, Adele de Oliveira estava com seus 45 anos, pois, há dúvida quanto á época do seu nascimento. Ezequiel Wanderley (1872-1933), em “Poetas do Rio Grande do Norte” (1922) registra a data de 1885, ano em que nasceu a poetisa mas, é sabido que houve um equívoco e por isso Rômulo Wanderley,”Panorama da Poesia Norte-Rio-Grandense”, 1967, biografando a poeta não menciona a data. E, de uma simplicidade fora do comum, podemos afirmar que Adele de Oliveira viva escondida para a cultura potiguar. Não publicava seus poemas, não dava entrevistas, trocava de assunto quando alguém perguntava-lhe acerca de correspondência mantida na juventude, com intelectuais paraenses onde seu nome era muito conhecido. Da cultura norte-rio-grandense, salientava o nome de alguns poetas de sua terra, dando destaque a Juvenal Antunes com quem mantinha uma amizade partida da infância. Mas, na intimidade, não aceitava o humor da poesia do amigo, abusando, como todos sabem, da riqueza possuída em sua cultura poética.
Duvido que tenha havido no Rio G do Norte outro poeta do timbre de Juvenal Antunes, escrevendo prosa e verso, com uma linguagem cristalina, pura, sem mancha. Como é sabido, somente com o movimento modernista de 1922, houve uma ligação entre a poesia e o humor, cuja separação e rompimento, vieram com o advento do romantismo, parnasianismo e simbolismo, proibindo terminantemente resquícios de ironia na estrutura de seus estilos.
Adele de Oliveira, vivendo intelectualmente na fase do modernismo, jamais aceitou essa doutrina, como diziam, nascida para acabar com o academicismo e com os poderes para a criatividade brasileira.

A MAIOR POETISA CEARAMIRINENSE

Maior no sentido estético, na filosofia das belas artes, Adele de Oliveira viveu princesa em Ceará-Mirim, sua terra, fazendo crescer ali um magistério. Um mundo de inteligência, por onde passaram vultos que hoje engrandecem a cultura potiguar. Mais tarde, morreu rainha, sentada num trono de glória, após ter cumprido sua missão no professorado da terra.
O ineditismo na vida intelectual de Adele de Oliveira é um fato que deveria ser estudado separadamente, visto que há muita versão e mesmo depois de muitas entrevistas com a poetisa jamais ela revelou, aquela simplicidade quase irritante. E, como dissemos-lhe certa vez, na residência do dr. José Tavares, presente sua digna esposa Juracy Tavares, jamais compreendíamos a sua vida enclausurada, isto é, afastando-se voluntariamente do grupo de intelectuais de sua época, oportunidade em que era sempre visitada por Otoniel Menezes, João Estevão Gomes da Silva, dr. Abner de Britto, Marcos falcão, Nascimento Fernandes e tantos admiradores que visitavam a terra de Edgar Barbosa e Nilo Pereira.
No início da década de 30, residindo de vez em Natal, quando viajávamos à Ceará-Mirim, sempre procurava nossa professora, a fim de ser obsequiado com seus poemas e ela, dando um “não”. Mas o “não” da poetisa era pronunciado com meiguice, carinho e afago, não sabendo ela que, após sua morte, fomos premiados com uma coleção de versos da melhor qualidade, oferta espontânea do dr.Ciro Tavares, aumentando, assim, material pertencente ao seu livro “Retalhos de Sonhos” que ainda havemos de publicar para melhor ser conhecida na nova geração.
Ás pessoas mais íntimas, Adele de Oliveira revelava que seu maior desejo era ver seu livro editado, fato que não aconteceu em vida. Caso isso não fosse realizado, ordenou aos familiares que “tocassem fogo em tudo que escrevera”.
Hoje possuímos seus versos, mas, gostaríamos de conseguir um “Diário” que se encontra em poder de uma amiga, em cujo documentário encontramos reminiscência valiosa para complemento de sua biografia.
O primeiro poema Adele compôs aos quinze anos de idade, quando falecia seu pai, viajando de Belém para Natal. Vejamos parte desse primor de poesia que a poetisa intitulou A BORDO.
“Mar e céu. Mar e céu, no convés do navio eu contemplava o mar soluçante e bravio. As ondas majestosas vinham, se espraiavam em rugidos de dor que nunca se acabavam. Na linha do horizonte o céu se unia às águas e Tudo tinha tom de tristeza e mágoa Chamei-o em vão, em vão beijei-lhe a face fria sempre o mesmo silêncio e a mesma agonia. Que martírio, meu Deus. Que horror, que desconforto, cruel desilusão, meu pai jazia Morto.”

NEM UMA NUVEM PELO ESPAÇO HAVIA...

Trata-se de um clássico da poesia norte-rio-grandense, Adele de Oliveira compôs o soneto, com um pouco de mágoa, pois desejava que o amigo demorasse mais em sua presença. Diziam até que era um amor incubado, sem jamais efetivá-lo, visto que, apenas por correspondência, trocavam beijos e abraços. É que o personagem residia bem ao norte do Brasil e, quando retornava à terra, emaranhava-se na boemia, juntamente com Prisco Rocha, Macuca, Gabriel Saraiva,Chico de Lima, dr. Oscar Brandão e alguns notívagos, cantando modinhas, acompanhadas por violões dolentes e flautas de sons aveludados. O enamorado, não resistindo à tentação dos amigos que o esperavam no pátio da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, teria dito – a Adele – começa o soneto.
Eu vou embora, antes que chova. E ela, que de perto dele sempre estar queria, o espaço olhou com perplexão singela, nem uma nuvem no espaço havia.
Segundo Adele de Oliveira, o seu amigo morreu solteiro, no ano de 1941, em Manaus, sem poder publicar o seu último livro “Cartas a Laura...”

ADELE DE OLIVEIRA PRÉ PRESA EM SUA TERRA

Em 1935, Adele de Oliveira, inconformada com os desmandos políticos existentes em Ceará-Mirim, foi presa e levada pelas ruas da cidade, até ao presídio, onde passou quase um dia, juntamente com ladrões, assassinos e marginais, aguardando que um tenente comissionado, por sinal, vindo da Paraíba, ouvisse depoimento forçado, declarações, daquela figura tão querida em sua terra.
Contudo, com mais algumas horas, eis que o prefeito, o usineiro Luiz Lopes Varela, mandou libertá-la, para a alegria de todos. Qual o crime praticado pela poetisa? Apenas, certa vez, numa roda de amigos, comentou as arbitrariedades do interventor Mário Câmara, governando o Estado numa fase das mais difíceis em sua política partidária. Lamentamos que este fato não tenha sido registrado para a nossa história, juntamente com o famigerado King-Kong, o terror do “Grande Ponto”, no início da década de 30.

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