quinta-feira, 9 de junho de 2011

AO AMIGO QUE PARTIIU: ZÉ BARACHO




Ao amigo que partiu...
Sabe amigo, já se vão muitos anos, talvez, poucos, para você que viveu 81. São, na verdade, doze anos de convivência e amizade. Nesse curto espaço de tempo aprendi a amá-lo e respeitá-lo como a um pai.
Parece que foi ontem, que me encontrei com você pela primeira vez. Fazia um passeio de bicicleta com meu amigo Mucio Vicente, quando ele convidou-me para visitar Tabuão. Disse que lá havia um mestre de congo, uma dança folclórica... estávamos em 1999. Na época não me interessava pelas coisas da cultura de Ceará-Mirim.


Assim, conheci mestre Tião e ele me apresentou você como embaixador de congo. Sabe companheiro, não tinha ideia que aquele encontro seria o início de uma grande e verdadeira amizade e, também, me direcionaria para um dos mais importantes períodos de minha vida. Foi por vocês que me interessei pelas histórias de nossa gente e resolvi buscar, na pesquisa, os registros de nossas memórias.
Sua figura singela e personalidade forte sempre foi sua principal característica e todas as vezes que íamos para qualquer apresentação você estava lá, às vezes invocado com alguma coisa, porém, fazendo sua parte no brinquedo.



Prisão do embaixador do congo


Não tenho ideia de quantas vezes estivemos juntos, gravando, dançando, brincando, cantando, viajando, tomando conhaque, que importava o tempo, porque, como diz o poeta Alceu: “ele se dilata como um fio, elástico, caminho, estrada que nos transporta... E a gente segue o tempo e ninguém nota, seus caminhos, suas rotas, por onde o tempo seguiu”.
De repente o fim do caminhar e aí, a despedida certa, de uma realidade viva entre tantos bem-quereres, mas, a vida continua, e nos restam as reminiscências, como diz o profeta: “que vosso presente abrace o passado com nostalgia e o futuro com ânsia e carinho”.
Tenho na lembrança alguns retalhos de nossas andanças nos caminhos da cultura. Lembra da apresentação na cidade de Pureza? Andamos entre ruas e becos a procura daquelas bodegas onde encontraríamos o néctar mágico...Ufa, até que enfim vencemos o desafio e a noite foi maravilhosa!



Mestre Tião - Professor Deífilo Gurgel e Mestre Zé Baracho


Naquele dia na cidade de Pureza, mais uma vez, você surpreendeu a todos os presentes, quando na sua fala, recitou um poema improvisado, e nele, cantou e contou a história da cidade desde seu primeiro nome que se chamava Pau Darco...Aprendi mais uma naquela noite! Assim, fui digerindo todos os seus conhecimentos e, certamente, os levarei por toda minha vida e, enquanto eu tiver oportunidade, os repassarei para as futuras gerações, senão eu, mas o farei, através destes modestos escritos, que estão fluindo de dentro de minha alma.

Apresentação de Mestre Zé Baracho - Fórum Social Nordestino de 2004 - Recipe/PE

Um dos momentos mais importantes de nossa caminhada foi no Fórum Social Nordestino em 2004, na cidade de Recife. Apresentávamos a história do Congo de Guerra para uma grande plateia e, na sua fala, você perguntou aos pernambucanos se sabiam o porquê do nome Pernambuco? Eles não responderam e você falou sobre Joaquim Nabuco e, em seguida, nos presenteou com um hino tradicional de Olinda ou Leão do Norte: “os caminhos congressos sagrados, Pernambuco seguiu varonil...Recife te vê lado a lado....Na pedra onde reza o Brasil... És tu Leão, Leão do Norte...” No final, a plateia cantando o refrão Leão do Norte, o aplaudiu de pé. Foi emocionante vê-los eufóricos e felizes, porque, um potiguar estava ali, lhes ensinando um hino tradicional, que a maioria não conhecia.
Foram muitos momentos de emoção, é impossível mensurá-los, pois, faltariam linhas para descrevê-los. Um deles foi quando gravávamos uma entrevista e você cantou o romance de Dom Jorge! Fiquei encantado com sua lembrança, pois, aquele romance era cantado pelos menestréis na Idade Média e, você, estava lá, contando a história através da música: “Que que tu tem Juliana, que estás tão triste a chorar....minha mãe eu soube ontem que dom Jorge ia se casar...”.




Mestre Tião e Mestre Zé Baracho - a última vez que o vi


Nosso último encontro foi no aniversário de Mestre Tião, no domingo, 15 de maio, quando comemorava seus 97 anos. A lembrança mais recente sua, foi quando mestre Tião, tocava seu surrado pé de bode, uma acordeon de oito baixos, e cantávamos juntos a música de entrada do Congo de Guerra: nas horas de Deus amém...é padre filho e espírito santo... essa é a primeira cantiga, que nessa casa eu canto...
É madrugada e estou congelando de frio, vez em quando, entra um fio de cruviana que passa soprando suavemente, a sensação é boa e ajuda a escrever essas mal-traçadas linhas. Meu pensamento projeta quadros cinematográficos que passam velozmente deixando registrados na memória todos nossos momentos juntos...estou muito emocionado e no silêncio da sala reflito o quanto você foi importante para mim.
Vou me finalisar com um trecho da despedida do profeta de Gibran:


“Adeus, povo de Orphalese.
O dia já se foi.
E está se cerrando sobre nós, como o nenúfar se cerra sobre seu próprio amanhã. O que aqui nos foi dado, nós o conservaremos. Mais um curto instante e minha nostalgia começará a recolher argila e espuma para um novo corpo. Mais um curto instante, mais um descanso rápido sobre o vento, e outra mulher me conceberá.
Meu adeus a vós e à Juventude que passei entre vós. Foi somente ontem que nos encontramos num sonho. Cantastes para mim na minha solidão, e eu, com vossas aspirações, construí uma torre no céu. Mas agora, nosso sono fugiu, e nosso sonho desvaneceu-se, e já não é mais a aurora.
O meio-dia nos abrasa, e nossa sonolência transformou-se em pleno despertar, e devemos nos separar. Se nos encontrarmos outra vez no crepúsculo da memória, conversaremos de novo e cantareis para mim uma canção mais profunda.
E se nossas mãos se encontrarem noutro sonho, construiremos mais uma torre no céu."

É isso meu querido mestre, sua hora chegou. Que Deus o tenha em seus domínios eternos e, de onde você estiver, olhe por aqueles que aqui ficaram lutando pelo reconhecimento e fortalecimento de nossa cultura popular.
AVE, AVE, MESTRE ZÉ BARACHO!!!

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