sábado, 20 de agosto de 2011

VELHO ENGENHO


Em fevereiro/2009 o Mestre Edgar Barbosa - se vivo fosse - completaria 100 anos e para que os conterrâneos tenham conhecimento de sua obra, postei uma de suas melhores crônicas, como diz Nilo Pereira: "crônica de pura e lírica evocação, de rara beleza impressionista."

VELHO ENGENHO
Edgar Barbosa - Imagens do Tempo - 1966

Dentro do nevoeiro do vale mal se entrevem os despojos do velho engenho morto.

 A casa está em ruínas e uma erva hostil cresce, silenciosa, por toda a bagaceira, invadiu os alpendres e assenhoreou-se do chão onde nunca mais pisou o pé humano.
Que fim levaram os antigos moradores? Onde os meninos trêfegos, os mestres, os cambiteiros, os animais e as aves que alertavam as madrugadas?
Tudo parece morto, não há sinal de vida dentro do grande vale onde outrora ecoavam os rumores do trabalho e as alegrias das safras exuberantes. Os próprios caminhos estão ocultos ou se tornaram sendas misteriosas de um mundo perdido. As chuvas os transformaram em barrancos, as formigas, às suas margens, construíram sossegadamente o seu reino. E à noite, sob as estrelas, as corujas desferem o seu canto soturno e imprimem ao velho engenho um aspecto de câmara ardente.
Entretanto, a terra, em redor, clama por que a fecundem. As árvores, embora maltratadas e esquecidas, guardam no porte a majestade dos dias que foram belas. Coroando o outeiro, como um penacho real, ergue-se um pau darco de cem anos, que ainda floresce como no tempo de jovem. E tudo isso paira, ali, no exílio, como se fosse um continente ignorado, lembrando a terra depois do dilúvio.
Eis um crime para o qual não há pena. Esse êxodo de ingratos e de emasculados, que arrancaram suas próprias raízes para ir vegetar adiante, como parasitas, mereciam um castigo. Eles, os senhores, meninos que se tornaram velhos, perderam-se nas ruas, passeiam displicentemente pelo asfalto das cidades, entretêm-se com as músicas e os cinemas, dançam e cantam nos clubes. A sua vida parece a dos presidiários que se consolam com o simples passar dos dias e das noites. A diferença é que esses fugitivos, sem alma nunca têm remorsos.
O velho engenho lá ficou, desmanchando-se pedra por pedra.
Os maquinismos foram vendidos ou enferrujam, na sepultura das moitas,
enquanto a erva cresce, silenciosa, afogando os alpendres, cobrindo como um sudário implacável, a bagaceira morta.
Aqui está essa crônica do grande mestre Edgar Barbosa. Quarenta e dois anos depois, está atualíssima, é como se tivesse sido escrita hoje para celebrar os 150 anos de emancipação de nossa Dileta Ceará-Mirim. 

Meu Deus como somos cegos!!! Nossa história está sendo consumida pelo progresso, pelo desenvolvimento econômico, sendo tragada pela fulingem da cana e levada na ventania do amanhã, pelo crepúsculo do crescimento. Um dia procuraremos nossas raízes e perceberemos que o dia amanheceu cinza... e que apesar de verde, a aquarela acabou! A manhã da criação: evaporou como evapora a neblina do vale.

Gibson Machado 

Fonte: 
http://gibsonmachado.fotos.zip.net/arch2009-01-01_2009-01-31.html

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