sexta-feira, 18 de maio de 2012


DE AMOR SEM NOME

Lamparina na janela, cumprindo sinal.
Foi chegando, avistando e se apeando. Ali mesmo, cuidou de amarrar a montaria, escondida nos velames da cerca. De moita em moita, foi tomando chegada no oitão. Cachorrada dormindo com chá de liamba. Tudinho correndo nos bons conformes. Pôs-se detrás do pau d’arco, a dez braças da casa. (...)
Tudo começado por simpatiazinha calada que – mais por arte dela – foi virando namoro escondido. Coisa de longe, embora apaixonada, no modo antigo de sorrir piscos e acenos. Moça presa e vigiada em casa de inimigo, quase nem dando pra trocar suspiro, quem dirá, palavra. E naquilo também se regalava de enganar o sabichão do bicho-de-lama!... 

(...) Arremedou a mãe-da-lua, escritozinho. Nenhuma resposta. Assobiou de novo. Nada ainda. Na terceira, a luz mexeu-se em cruz, depois se apagou. Tudo certinho no combinado. Era agora ou nunca mais!...
Com pouco, pisadas chegando no piçarro do terreiro. Ao seu ouvir, faziam todo o barulho do mundo!... Vultinho formoso dela, trajada de homem, cabelo arrumado em cocó. Moça corajuda, aquela; danada de esperta, disposta no gostar!... No arrocho do abraço, sentiu-lhe o coração desembestado. Mesmo no aperreio da hora, apreciou aquilo, agradecido de tamanha benquerença.
Não dera para arranjar cavalo. Nisso contrariou-se, mas nem quis aclaração. Desistir, fativo que podia; mas ela, de ansiosa, não querendo... Roxim, seu burro, mulo acavalado, era de força e confiança. Sendo ela pequenina...

(...) Informa qual a feição de cara e tope de corpo? Gente conhecida daqui mesmo? Precisando de remediado? Vizinho de divisa quase sempre se inimiza... Alguma razão sabida ou porém segredoso?
Mas qual bisbilhotar, seu coronel!?...Qualquer coisa informada que seja de ajuda, fica sendo da minha inteira conta...Se malpergunto é pelo ofício de rastreador. Pois sabendo donde veio, melhor calculo adonde vai. Como bem, sendo daqui, nascido e criado, conhecedor de atalhos e esgalhos, fica mais dificultoso...

(...) Não se arrelie, que a gente já-já embisaca a parelhinha fujona. Tomara que antes do malcometido. Rastear é arte meio ronceira, mas bem afiançada. Rasto bem seguido finda sempre no fugido. Mas, além de olho e tino, carece de paciência. Teje calmo, pois que, hora dessas, aperreio nunca ajuda.

(...) Taí o pouso! Foi de quando fizeram padarada, no pino do meio-dia; sombreando fresca nesta beira de riacho. Ali se apearam... Acolá aguaram a montaria... Depois se chagaram praqui. Nesse canto, estiveram bem de frente-a-frente...semelha que foi abraço... Espie, somente as pontinhas dos pezinhos dela, aqui entre os dele; salto da bota mais bem firmado. Pelo visto. Quem atracou foi ela!!...
Tá certo coronel, desculpe! Se faz tanta questão, prometo não mais destrinchar revelações de certas miudezas. Deixe ver...Daqui, foram prali... Vige, danou-se! Espie bem daqui, debaixo dessa moita... Ai, ai-ai, que se afigura em desgraça feita, coronelzinho! Ah, foi que foi!... Ficou tudo escrevinhado aqui na arei. Repare que são de machos estas marcas afundadas. Cá estão as duas baixas dos joelhos e as cavas dos cotovelos. Sinais mais rasos são de mulher. Dá bem pra ver o ciscado de calcanhares, o espojeiro dos quartos e até o varrido do cocó!...
Horinha do sol posto, morcegos doidejando, deram com eles, nas capoeiras profundas. Quase chegados na divisa do Paraíso; gemendo sem dor, debaixo doutra moita. Indo longe...
E haja-pau cantou redobrado (...)

O final??
Lendo o livro LUGAR DE ESTÓRIAS de Bartolomeu Correia de Melo

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